sábado, 24 de março de 2012

“TE DOU MEU CORAÇÃO”



As indicações de transplante como tratamento terapêutico tem uma história recente, no entanto, desde a mitologia grega que aguçava-nos como uma possibilidade de vida eterna. A vista, de Dédalo que para fugir da prisão de Creta se auto implantou asas de pássaros, nos últimos cem anos avanços no conhecimento e nas tecnologias em saúde vem trazendo novas perspectivas ao tratamento e cura de doenças. Dizer isso, significa que vivenciamos um cenário onde os cuidados paliativos de indivíduos com doenças hepáticas, cardíacas, pulmonares, pancreáticas e/ou renais incuráveis deram lugar a possibilidade de um recomeço.
O processo de transplante de órgãos vem sim crescendo! [os motivos são diversos, desde o aumento da sobrevida até o aprimoramento das técnicas de conservação dos órgãos] - sobretudo, no que se refere a ferramentas farmacológicas com maior eficácia no manuseio dos processos de rejeição do enxerto, redução de efeitos colaterais, na possibilidade de individualização de doses e nos aspectos farmacoeconômicos envolvidos. Em suma, corroborando para o uso racional de medicamentos, que segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) “há uso racional de medicamentos quando pacientes recebem os medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade”. Ademais, o empenho multiprofissional e multidisciplinar tem possibilitado avanços nas condutas no pré e pós transplante. A saber, nos aspectos epidemiológicos e sociais, reabilitação motora, cuidados e acompanhamentos ambulatoriais, psicologia do transplante e no suporte das mudanças dos hábitos de vida.  
Apesar da grande esperança que a troca da “pilha” dos motorzinhos fisiológicos traz para pacientes nas condições supracitadas há grandes limitações devido a desigualdade na “oferta e procura” de órgãos, no nosso país e no mundo. Parte desta problemática está etiologicamente ligada a falta de políticas públicas de educação que levem ao conhecimento das pessoas todo o contexto da doação de órgãos. Ainda hoje, mesmo nos cursos de graduação o conhecimento sobre transplante e doação de órgãos é superficial exigindo que os profissionais tenham especialização na área. Pontualmente, a resistência a doação se concentra no desconhecimento do conceito sobre morte encefálica, ou seja, no requisito básico, primordial e indispensável para aceite de um órgão. A saber, como definido pelo neurocirurgião Eric Grossi Morato “A morte encefálica representa o estado clínico irreversível em que as funções cerebrais (telencefalo e diencefalo) e do tronco encefálico estão irremediavelmente comprometidas” ou seja, onde não há possibilidade de reversão. Para diagnóstico de morte encefálica nosso país tem uma das políticas mais rigorosas e seguras de todo o mundo, hoje é exigido “dois exames clínicos,com intervalo de no mínimo seis horas entre eles, realizados por profissionais diferentes e não vinculados com a equipe de transplantes. É obrigatória a comprovação, por intermédio de exames complementares, de ausência no sistema nervoso central de perfusão ou atividade elétrica ou metabolismo. Morte encefálica significa morte tanto legal quanto científica.”
Por fim, vale ressaltar que apesar da “nova chance” conquistada por muitos desses pacientes contemplados nas filas de transplante ainda há muitos desafios a serem vencidos [na captação e no pós-transplante!]. Parte considerável desses pacientes não conseguem responder de forma efetiva a farmacoterapia do transplante, aderir as mudanças de hábitos de vida (nutricionais p. ex.), bem como, o papel que as idiossincrasias [nesse contexto talvez sinônimo de desconhecimento científico] tem na vida pós-transplante. Como farmacêutico, vislumbro um mundo de possibilidades e um emaranhado de nós que sozinho são impossíveis de desatar, por ora sinto a gratificação dos pacientes acompanhados e o que o pouco do dia a dia tem contribuído na adesão da farmacoterapia! - nessa semana no acompanhamento de um procedimento o paciente me disse “agora que você está aqui estou tranquilo de que tudo vai dar certo!” a estes e todos os outros dou meu coração!.

Bom final de semana!
“É tão forte quanto o vento quando sopra / Tronco forte que não quebra, não entorta / Podes crer, podes crer / Eu to falando de amizade!”


Danilo Ponciano
Residente - Farmacêutico Bioquímico
            Programa: Transplante e Captação de Órgãos

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